Dentre as cidades invisíveis contadas por Italo Calvino (As cidades invisíveis, São Paulo: Companhia das Letras, 2002) Zaíra chama a atenção, não pelo tantos degraus que são feitas as suas ruas em forma de escada, ou da circunferência dos arcos dos pórticos, ou das lâminas de zinco que recobrem os tetos, pois a cidade não é feita disso, mas das relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado: [...] a inclinação de um canal que escoa as águas das chuvas e o passo majestoso de um gato que se introduz numa janela; [...] os rasgos na rede de pesca e os três velhos remendando as redes que, sentados no molhe, contam pela milésima vez a história [...] A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata. Uma descrição de Zaíra como é atualmente deveria conter todo o passado de Zaíra. Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas [...] (p. 14-15).
Assim como Zaíra, muitas vezes, não percebemos o que realmente nos define. Logo, não é a aparência refletida pelos olhares ou a representação dos saberes o que mais importa, e sim a compreensão das janelas da alma e das linhas do coração.
Será dessa forma a relevância do ato de julgar também entendida e perseguida pelos operadores jurídicos?